Quando o assunto é saúde, acreditamos que devemos dar maior tempo de antena a quem sabe. Nélson Puga, Diretor do Departamento de saúde do FC Porto, não se nega a falar sobre a pandemia do COVID-19 e frisa que “o futebol adotou as medidas um bocadinho antes do Governo” e a antecipação, neste caso, pode ajudar a fazer a diferença.
Num momento de uma delicadeza extrema para o nosso país, para a Europa e para o mundo, Nélson Puga, admite que tem sido uma espécie de “linha de saúde 24 do FC Porto”, explica como é feito controlo do trabalho dos jogadores e deixa ainda o seu ponto de vista, enquanto profissional de saúde, acerca deste surto. “Há esperança”, garante-nos, numa entrevista à Liga Portugal cheia de conteúdo e precauções a tomar.
Como está a acompanhar esta situação?
Estamos a acompanhar com apreensão… Eu tenho-me dedicado a toda a estrutura do FC Porto, que é uma estrutura muito grande. Se atendermos a todo o universo, são aproximadamente 600 pessoas, portanto, estou a fazer uma espécie de linha de saúde 24 do FC Porto e os restantes colegas a trabalhar para o Serviço Nacional de Saúde e a ajudar no combate a esta pandemia.
Do ponto de vista clínico, há esperança numa resolução relativamente rápida ou não tão morosa do problema?
Não. Do ponto de vista clínico, como em qualquer outra virose, são os próprios recursos imunitários da pessoa que fazem com que consigamos vencer a doença. Por isso, quem está mais debilitado tem mais problemas, tem mais dificuldade e a esperança está em conter a progressão da doença e todas estas medidas que agora foram adotadas eram essenciais. No meu entender, já deviam ter sido adotadas, aliás, de acordo com aquilo que o futebol fez. O futebol adotou as medidas um bocadinho antes daquilo que foram as medidas adotadas pelo Governo. Apesar de tudo, nós acabámos, como país, por adotar estas medidas restritivas um bocadinho antes daquilo que aconteceu em Itália e França, onde se registam os casos mais graves. Nós, por sorte, tivemos uma semana de atraso no aparecimento dos primeiros casos e por isso, por exemplo, fechámos as escolas na mesma altura que Espanha e França e adotámos as medidas com uma semana de antecedência relativamente a esses países.
Que precauções devemos ter?
Aquelas que estão a ser difundidas. Isolamento social é fundamental nesta altura para cortar a cadeia de contacto. Muitas medidas de higienização de todos os nossos espaços onde vamos viver agora diariamente. Muita higienização das nossas mãos, muita lavagem diária, usar e abusar de lavar as mãos, e em particular sempre antes de nos alimentarmos. As medidas de etiqueta respiratória que todos nós sabemos e aos primeiros sintomas conhecidos, ligar para a Saúde 24, promovendo um estado de quarentena com um isolamento ainda mais apertado da pessoa em relação ao restante agregado familiar.
No que diz respeito ao FC Porto, os jogadores estão a cumprir planos individualizados. De que forma é feito o acompanhamento dos jogadores à distância?
Nós estamos em permanente contacto por grupos de redes sociais, evidentemente, e em contacto privado direto e de grupo também. O acompanhamento é feito dessa forma, mas também através de instrumentos de controlo de carga externa, portanto, nós sabemos o esforço que eles estão a fazer. A equipa técnica desenhou um plano individual de trabalho, que vai variando em função do microciclo semanal e nalguns jogadores são ajustadas algumas necessidades. Eles são monitorizados e a seguir reportam-nos aquilo que foi a sensação do esforço interno. Nós temos um report com uma monitorização de carga externa e monitorização de carga interna. Dessa forma, sabemos o impacto que a sessão de treino teve nos nossos jogadores. Mal acaba, recolhemos toda a informação e partilhamos a informação, entre nós e a equipa técnica. A equipa médica em particular tem ainda mais alguns cuidados e, neste momento, temos apenas um lesionado, mas a esse somos nós os responsáveis por fazer o plano de reabilitação, porque também já estava numa fase em que estava a fazer trabalho de ginásio e trabalho no terreno de forma condicionada. Toda a informação que temos e recebemos, partilhamos imediatamente com a equipa técnica. É desta forma que temos feito esse controlo.
Agora que o país se encontra em estado de emergência, sair de casa para o mínimo ou nem isso é recomendado? Entregas de comida/encomendas em casa poderão ser considerados momentos de risco?
Eu diria o mínimo dos mínimos sair de casa. Nós conseguimos criar uma linha de apoio aos jogadores e, pelo menos de bens essenciais nós vamos fazendo uma distribuição de alimentação e quanto menos recorrermos fora de casa, melhor. É evidente que, todos nós já temos tido esta experiência de fazer encomendas e receber as encomendas em casa. As pessoas também vêm com proteções, com máscaras, com luvas, mas o que eu recomendo é mesmo às encomendas que chegam a nossa casa, desinfetá-las, basta com um simples detergente, ou com um pano com um bocadinho de lixívia, desinfetá-las, deixá-las guardadas durante mais algum tempo e depois poder diminuir assim o risco de que elas venham, por ventura, também contaminadas, se bem que é muito menor o risco de as receber em casa do que ir comprá-las a um supermercado ou a uma mercearia ou a uma loja onde estão mais pessoas.
Quando é que se apercebeu de que, realmente, isto era algo de grave? O Dr. Puga sentiu logo que era algo muito perigoso?
Sim. Apercebemo-nos porque temos informação privilegiada e estamos em contacto direto e permanente com pessoas que são especialistas em cada uma das suas áreas e, no meu caso em particular, como acontece com tantas outras coisas porque, nestes casos, não há muita produção científica nem há muito conhecimento e informação. Procurei falar com infeciologistas, com internistas, com pessoas que têm experiência relativamente a estes problemas e aqueles que são mais diferenciados e que também estão na frente desta luta. Falei, por exemplo, com o Dr. António Sarmento, que é o diretor de serviços de doenças infetocontagiosas do Hospital de São João e percebemos todos que isto ia ser, até pelo exemplo do que estava a ser nos outros países, um problema muito difícil de combater. Contudo, eu gostava de deixar uma mensagem, uma nota de esperança porque Portugal, apesar de tudo - apesar de pensar que devêssemos ter tomado estas medidas um bocadinho mais cedo - adotou estas medidas drásticas mais cedo do que nos países onde têm mais problemas. Isto é essencial, todos nós sabemos o que é uma curva exponencial e as consequências que isto tem. Provavelmente ainda vai subir, até onde, não sabemos bem, mas temos esperança, em função destas medidas que foram adotadas, que a curva deixe de ser exponencial e que o número de infetados não continue a crescer como tem crescido até agora. Assim, espero que consigamos inverter essa curva exponencial mais cedo do que outros países e controlar mais cedo este surto grave e pandémico.
É importante passarmos bem as informações, principalmente aos mais idosos que estão dentro do grupo de risco…
É fácil fazer as contas. Esta doença não é uma doença muito mortal, mas é mortal para os idosos e para os mais debilitados. Cerca de 2% das pessoas vão ter doença grave, muitas vão estar infetadas, assintomáticas ou até ter poucas manifestações da doença, para aí 80%. Os outros restantes, que precisem de internamento hospitalar, os tais 2% se precisarem de cuidados intensivos, é fazermos as contas. Se nós, a dada altura, tivermos 100 mil infetados, vai ser muito complicado, mas se nós tivermos um milhão de infetados, nós não temos capacidade de resposta, sobretudo se forem todos infetados num curto espaço de tempo. Foi o que aconteceu em Itália. E depois, a taxa de mortalidade em Itália aumentou e superou muito aquilo que está a acontecer nos outros países. Basicamente, é à volta dos tais 2%. O problema é que se não tivermos meios para tratar essas pessoas, a taxa de mortalidade vai subir. Vai subir nas pessoas mais velhas ou naquelas mais novas, que precisem desses cuidados diferenciados ou que tenham uma doença associada, como há tanta gente que tem, ou que já foi operada, ou já fez uma neoplastia, ou outra coisa qualquer e que tenha alguma situação de debilidade imunitária.
Enquanto profissional da saúde, que conselhos considera ser essenciais deixar às pessoas?
Que respeitem o isolamento social, que sigam o exemplo que nós estamos a dar, através das redes sociais e através dos nossos jogadores e treinadores. Fomos dos primeiros a adotar essa medida. No princípio, havia muita gente que pensava que podiam ser exageradas, mas agora percebem que eram essenciais e, portanto, sigam-nas, como exemplo.